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Brasil Amazônia Ocidental

Será o fim da Amazonia Ocidental?

A política de desenvolvimento da Amazônia Ocidental e a Reforma Tributária

29/11/2023 19h24 Atualizada há 12 meses
Por: Wilson Neves de Oliveira Fonte: Liomar dos Santos Carvalho - Presidente Associação Comercial e Industrial de Ji-Paraná - ACIJIP
Texto de Liomar dos Santos Carvalho
Texto de Liomar dos Santos Carvalho

Não há dúvidas de que há 56 anos as políticas de desenvolvimento voltadas à Amazônia têm englobado um arcabouço jurídico e legal voltado a fortalecer a regionalidade, marco esse inaugurado pelo Decreto-lei nº 288/1967 criando a Zona Franca de Manaus (ZFM) e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) para administrar incentivos fiscais. Antes de quaisquer discussões é importante deixar claro que os regulatórios da Zona Franca atuam, basicamente, para a isenção (redução em alguns casos) de dois principais tributos: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Importação (II).

 

Criado para promover dinâmica econômica e social no Norte do Brasil, a partir da cidade de Manaus-AM, após as inúmeras tentativas de desenvolver a região após o fracasso da economia da Borracha, o Projeto ZFM não tardou a ser “emendado” para abranger maior espaço territorial por meio do Decreto-lei nº 356/1968. Tal instrumento possibilitou que o conjunto de incentivos fiscais da ZFM pudesse ser usufruídos pelos empreendimentos da Amazônia Ocidental, visando, preliminarmente, reduzir o custo de vida e atrair empreendimentos para além de Manaus-AM.

Por meio deste dispositivo, por exemplo, os produtos produzidos na ZFM podem ser remetidos à toda Amazônia Ocidental isentos dos tributos incentivados na produção, bem como uma relação de mercadorias estrangeiras - voltados à produção, consumo e gêneros de primeira necessidade, podem adentrar a região sem a carga tributária de Imposto de Importação. Além desses benefícios, a remessa de mercadorias de todo o país, para o consumo interno na região, também fica isenta do IPI.

 

Somado ao arcabouço jurídico voltado a dinamizar a região, o Decreto-lei nº 1.435/1975, isenta de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a produção elaborada com matéria-prima agrícola ou extrativa vegetal, de origem regional, inaugurando os incentivos à produção industrial na Amazônia Ocidental com incentivos fiscais atrelados ao Projeto ZFM, pensando não apenas nos conglomerados urbanos, mas naqueles que produziriam insumos para a indústria voltada à produção regional.

No final da década de 1980 novos regulatórios trazem à ZFM as Áreas de Livre Comércio (ALCs), a serem instaladasnas fronteiras do Norte do Brasil, visando promover dinamismo econômico  às chamadas “cidades gêmeas”, concedendo isenção de Imposto de Importação (II) e, posteriormente, isenção de Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), a partir da industrialização com insumos regionais. Além desses tributos, os produtos consumidos internamente (na compra) e os industrializados remetidos para fora da Amazônia Ocidental ou consumidos internamente (na venda), também fazem jus a alíquotas reduzidas do PIS e da COFINS.

 

Adicionado aos incentivos fiscais do PIS, COFINS, II e IPI, os governos dos estados (Acre, Rondônia, Amapá, Roraima e Amazonas) ainda constroem suas políticas extrafiscais associadas ao ICMS, seja por meio de isenção total, seja por adoção de créditos estímulos à segmentos distintos. E, no âmbito municipal, pela dinâmica produzida, os prefeitos podem lançar mão de políticas associadas ao ISS.

Entre o ano de 1967 e 2023 houve a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) nº 40,quando a ZFM foi mantida e, posteriormente duas prorrogações do modelo foram autorizadas pelo congresso nacional: primeira até o ano de 2023; e posteriormente até o ano de 2073.

Após 56 anos de existência do modelo de desenvolvimento regional pensado à Amazônia Ocidental (e posteriormente ao Amapá), é necessário avaliar o que de fato ele deixou para a Amazônia Ocidental e Amapá, bem como o que pode ser aprimorado.

 

A Zona Franca de Manaus, pela forma como foi constituída, acabou por concentrar os empreendimentos produtivos (indústria) na cidade de Manaus-AM, devido ao regramento estabelecido no Art. 2º do Decreto-lei nº 288/1967, quando estabelece inicialmente que os incentivos fiscais seriam concedidos aos empreendimentos localizados nos 10 mil km², à margem esquerda dos rios Negro e Amazonas, onde se instalaria a Zona Franca. Isso fez com que quase a totalidade dos investimentos migrassem para o Amazonas, em detrimento de Acre, Rondônia, Roraima e, posteriormente, Amapá. No Amazonas, a ZFM garantiu a pujança econômica do espaço urbano que ali nasceu;
Os incentivos fiscais concedidos à Amazônia Ocidentalficaram restritos ao consumo dos produtos produzidos na ZFM, ao ingresso de mercadorias nacionais para o consumo e aos insumos importados definidos em lista positiva (atual Portaria Interministerial nº300/1996), para industrialização, comercialização e consumo interno. Essas regras limitaram o empreendimento comercial e de serviços na região, assim como ocorreu em Manaus-AM;
A política de criação de Áreas de Livre Comércios (ALCs) foi abandonada pelo Governo Federal e SUFRAMA, que não investiram recursos e tempo para capacitar as instituições e seu pessoal para tornar a fronteira Norte do Brasil em áreas dinâmicas no comércio e na indústria, o que tornaria, na teoria, o setor de serviços pujante como consequência. A título de exemplo, a Área de Livre Comércio de Tabatinga-AM dinamizou muito mais a cidade de Letícia, na Colômbia, pelo poder aquisitivo da moeda brasileira os nacionais migraram pra Colômbia e investiram em empreendimentos no outro país; a ALC de Guajará-Mirim, desenvolveu muito mais Guayará, na Colômbia; e a ALC de Boa Vista e Bonfim, tornaram-se apenas um pernoite aos mochileiros que partem para Lethem, na Guiana, em busca de produtos importados naquele país; Da mesma forma, as áreas definidas para as ALCs, na maior parte, já estavam ocupadas pelas Zonas Urbanas daquelas localidades o que impossibilitou a implantação de novos empreendimentos ou um planejamento de longo prazo.

 

Mas, entre os tantos problemas acima citados, é importante destacar que a política de desenvolvimento regional pautada nos incentivos fiscais da ZFM permitiu que houvesse promoção de dinâmica social e econômica que, por conseguinte, acabou por atrair para a região empreendedores e trabalhadores, ocupando o espaço e, de fato, garantindo a soberania nacional de uma região secularmente cobiçada pelo mundo (Princípio da Extrafiscalidade disciplinado no Art. 151, I da Constituição Federal).

Os investimentos aportados no Acre, Rondônia, Amapá, Roraima e Amazonas permitiram a criação de postos de trabalho no comércio, na indústria, no setor de serviços e no agronegócio que, por sua vez, possibilitam há décadas recordes de arrecadação ao erário (municipal, estadual e federal), permitindo revertê-la – na teoria – em investimentos diversos à sociedade: infraestrutura logística, capacitação, fomento à produção, linhas de créditos etc.

Então, é inegável que o Projeto ZFM trouxe benefícios à região e isso é inegociável. Todavia, chega um momento muito delicado para a continuidade deste projeto, que teve o marco regulatório estendido para o ano de 2073: a discussão da Reforma Tributária.

 

O texto em discussão mais avançado é a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) nº 45/2019, que prevê a extinção de 5 tributos em um Imposto de Valor Agregado (IVA) - IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS - e sua unificação em duas outras bases tributárias:

Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que agregaria os tributos federais (IPI, PIS e COFINS) e seria gerido pela União; e
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que agregaria os tributos municipal e estadual (ISS e ICMS) e seria gerido pelos Estados e Municípios;

Além do IBS e do CBS, será criado também o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre os produtos que afetam a saúde e o meio ambiente. Ademais, a proposta da PEC 45/2019 não permite a concessão de benefícios fiscais e será implantada de forma escalonada a partir do ano de 2027, se aprovada.

Então, pela forma como foi gestada, a Reforma Tributária afeta diretamente o Projeto Zona Franca de Manaus, por atuar justamente sobre os tributos que permitem a extrafiscalidade do modelo. Após 5 anos de discussão na Câmara Federal, o texto final foi aprovado e encaminhado ao Senado Federal, trazendo algumas salvaguardas à ZFM, mas de forma parcial, pois incluiu na proposta apenas a ZFM (os 10 mil km² em que está instalado o Polo Industrial de Manaus) e as Áreas de Livre Comércio (que têm área diminuta e impossibilita sua expansão).Considerando os três marcos regulatórios – ZFM, ALC e Amazônia Ocidental:

No caso da ZFM, a PEC 45/2019, o texto previu que o diferencial competitivo das indústrias instaladas no Polo Industrial de Manaus será mantido. Dito de outra forma, os municípios que abrangidos pelos 10 mil km² (Manaus, Rio Preto da Eva e Itacoatiara) poderão manter os diferenciais competitivos para os empreendimentos locais;
No caso das ALCS, a PEC 45/2019, garante a manutenção das que estavam instaladas em 31/05/2023. Em síntese, não haverá mais possibilidade de estendermos as áreas das ALCs ou alterar sua localização;
No caso da Amazônia Ocidental, na prática, os benefícios atualmente existentes, deixam de existir em 2027, quando se extingue o IPI e os demais tributos que darão lugar ao IBS.

Percebamos que ambos os textos, da Câmara e do Senado, contemplam a ZFM e as ALCs, não fazendo menção à Amazônia Ocidental:

Texto aprovado na Câmara

Art. 92-B. As leis instituidoras dos tributos previstos nos arts. 153, VIII, 156-A e 195, V, da Constituição Federal estabelecerão os mecanismos necessários para manter, em caráter geral, o diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus nos arts. 40 e 92-A, e às áreas de livre comércio existentes em 31 de maio de 2023, nos níveis estabelecidos pela legislação relativa aos tributos extintos a que se refere o art. 124, todos deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. [destaquei]

Texto aprovado no Senado

Art. 92-B. As leis instituidoras dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, da Constituição Federal, estabelecerão os mecanismos necessários, com ou sem contrapartidas, para manter, em caráter geral, o diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus pelos arts. 40 e 92-A, e às Áreas de Livre Comércio existentes em 31 de maio de 2023, nos níveis estabelecidos pela legislação relativa aos tributos extintos a que se referem os arts. 126 a 129, todos deste Ato das Disposições constitucionais Transitórias. [destaquei]

De forma a compensar a perda de arrecadação do estado do Amazonas, foi previsto no §2º do Art. 92-B do ADCT a criação do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas. Ao apagar das luzes para a votação do relatório da Reforma Tributária no Senado, os parlamentares da Amazônia Ocidental conseguiram, da mesma forma, para compensar a perda de arrecadação dos estados que abrigam as Áreas de Livre Comércio, prever no §8º o Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá.

À exceção de Manaus, que abriga o Polo Industrial de Manaus, não se sabe até que ponto a Reforma Tributária, da forma como está posta, impactará as atividades produtivas nos estados que compõem a Zona Franca sem o atrativo inicial dos benefícios fiscais para atrair empreendimentos. Mas o que se percebe, grosso modo, é que o dinamismo social e econômico dependerá, a partir de 2027, da forma como os recursos desses fundos serão empregados, visto que o setor produtivo na Amazônia Ocidental perde totalmente o protagonismoconcedido pelos incentivos fiscais.

Na prática, o Projeto ZFM, com o fim da particularidade da Amazônia Ocidental como área de abrangência de parte dos benefícios fiscais, deixa de agregar mais 160 municípios da Amazônia Ocidental e Amapá, para focar suas atenções a apenas 11 municípios, a saber:

  1. Manaus, Rio Preto da Eva e Itacoatiara – proabrigarem o território dos 10 mil km² a que faz menção o Decreto-lei nº 288/1967;
  2. Tabatinga, por abrigarem uma ALC no Amazonas;
  3. Guajará-Mirim, por abrigar uma ALC em Rondônia;
  4. Boa Vista e Bonfim, por abrigarem uma ALC em Roraima;
  5. Macapá e Santana, por abrigarem uma ALC no Amapá;
  6. Brasileia, Epitaciolândia e Cruzeiro do Sul, por abrigarem uma ALC no Acre;

A missão institucional do Estado brasileiro passa a ser, a partir da aprovação do texto da Reforma Tributária, gerir com responsabilidade e assertividade os recursos públicos que serão destinados aos fundos de desenvolvimento para fomentar cadeias produtivas, tecnologia, comércio e serviços, pois apesar de a ZFM e suas áreas de abrangência terem prazo constitucional até o ano de 2073, na prática desaparecerão se não conseguirem diversificar seus vetores econômicos para promover atividades econômicas e consumo interno, uma vez que a arrecadação tributária se dará no destino (consumo) e não mais na origem (produção).

De fato, a Reforma Tributária pode aniquilar atividades produtivas que somente se instalaram na Amazônia Ocidental pelos benefícios fiscais e também, em consequência disso, reduzir demasiadamente a arrecadação dos estados e municípios que não conseguirem, de alguma forma, manter a dinâmica social e econômica atual.

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