Com duas novas mostras, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) inaugura neste mês de fevereiro o seu ano dedicado ao tema Histórias da Diversidade . As duas mostram estão à disposição do público nesta sexta-feira (23).
A primeira delas é Gran Fury: arte não é o bastante , que apresenta trabalhos do coletivo norte-americano que estarão pela primeira vez na América Latina. A exposição, que acontece no primeiro subsolo do museu e fica em cartaz até o dia 9 de junho, reúne 77 obras do Gran Fury e que discutem a crise da Aids nos Estados Unidos entre as décadas de 80 e 90. A curadoria é de André Mesquita, com assistência de David Ribeiro.
“O Gran Fury é um coletivo formado em 1988 na cidade de Nova York, que produziu até mais ou menos 1995. Esse é um coletivo que emergiu a partir de uma organização ativista chamada Act Up ( Aids Coalition to Unleash Power ), que em tradução livre seria algo como Coalizão da Aids para Libertar o Poder . Essa organização era não partidária, formada em março de 1987, em Nova York, no contexto da chamada crise da Aids nos Estados Unidos”, explicou o curador André Mesquita.
Essa organização começou a ser formada, destacou Mesquita, em um momento em que a comunidade gay e lésbica (denominação que era adotada naquela época) via seus amigos, familiares e companheiros morrerem rapidamente por causa da Aids, sem um tratamento eficaz ou medicação adequada. “Então, essas pessoas se organizaram para a conscientização em relação ao HIV e à Aids, para criticar e demandar ações por parte do governo em termos de políticas públicas e combater o preconceito que existia e que persiste em relação a pessoas com HIV”, disse Mesquita.
E foi dentro dessa organização que surgiu o Gran Fury, um dos coletivos mais importantes e referência para o que se chama de ativismo artístico. “Dentro da organização surgiu um grupo de pessoas interessadas em produzir ações e campanhas gráficas através de cartazes, fotografias e vídeos, para mudar a percepção pública em relação ao HIV. Essas ações também colocaram em discussão a falta de ação do governo dos Estados Unidos, a posição conservadora da Igreja Católica e o discurso hegemônico da mídia, que era muitas vezes preconceituoso e com muita desinformação”, falou Mesquita, em entrevista à Agência Brasil .
Em boa parte de sua trajetória, o Gran Fury contou, em sua formação, com Avram Finkelstein, Donald Moffett, John Lindell, Loring McAlpin, Mark Simpson, Marlene McCarty, Michael Nesline, Richard Elovich, Robert Vazquez-Pacheco e Tom Kalin. O grupo se autodescrevia como “um bando de indivíduos unidos na raiva e comprometidos a explorar o poder da arte para acabar com a crise da Aids”.
O tema da exposição, Arte não é o Bastante , se inspira na frase With 42,000 Dead , Art Is Not Enough [Com 42 mil mortos, arte não é o bastante], de autoria do coletivo. “O que eles estão trazendo nessa frase é o seguinte: só fazer arte não adianta, não é o suficiente. A gente tem que se engajar coletivamente para agir contra uma crise”, disse o curador.
Entre as obras em exposição estará Kissing Doesn’t Kill [Beijar não mata], onde o grupo subverte as campanhas da empresa italiana de roupas Benetton para exibir fotografias de três casais inter-raciais se beijando. O pôster foi instalado como um painel nas laterais de ônibus e nas estações de metrô em São Francisco, Chicago, Nova York e Washington DC, nos Estados Unidos. A proposta aqui não era vender um produto, como fazia a Benetton, mas mostrar que um beijo não era um comportamento de risco, como se dizia à época.
“Acho que essa exposição traz a possibilidade de diálogo com o público e da possibilidade de poder conversar publicamente sobre essas questões, que têm a ver com saúde pública, que têm a ver com discriminação, que têm a ver com tratamento igualitário”, falou o curador.
Já a sala de vídeo do Masp irá apresentar três vídeos produzidos pela artista argentina Masi Mamani/Bartolina Xixa, que ficam em cartaz até o dia 14 de abril. A curadoria é de Matheus de Andrade.
Masi Mamani é uma bailarina, performer e artesã que faz parte da comunidade LGBTQIA+ na região de Jujuy, nos Andes argentinos. “Essa é a primeira sala de vídeo do ano dedicado às Histórias da Diversidade LGBTQIA+, que é o eixo temático que vai nortear toda a programação pública do museu durante 2024. Masi Mamani é uma artista argentina que trabalha com a linguagem drag e vem dando vida e interpretando uma drag folk , como ela mesmo descreve, que se chama Bartolina Xixa”, explicou o curador, em entrevista à reportagem.
Bartolina Xixa é inspirada em Bartolina Sisa Vargas, uma heroína indígena aymara, que liderou inúmeras revoltas pela liberdade do seu povo e foi brutalmente assassinada pelos colonizadores espanhóis no século 18. Para Bartolina Xixa, a artista decidiu incorporar elementos tradicionais culturais da cultura indígena andina e assumir a identidade de chola, termo de origem quéchua e aymara inicialmente utilizado para designar mulheres mestiças e atualmente associado às mulheres andinas que adotam vestimentas e adereços tradicionais. Com isso, Masi faz de sua arte um manifesto de resistência, reafirmando sua identidade cultural ancestral.
“Quando pensa o corpo ou o gênero, a artista vai perceber que a colonização é responsável pelo enraizamento de um certo tipo de padrão social e normativa social. Como que eram esses corpos antes da chegada dos colonizadores? Isso é algo que ela se propõe a pensar”, explicou o curador.
Um dos vídeos em exibição é Ramita Seca, la colonialidad permanente , que foi gravado em um lixão em Hornillos. “É uma região culturalmente muito rica, mas, em contrapartida, economicamente muito pobre, socialmente com muitos problemas. É uma região de extrema exploração mineral e de lítio, entre outras coisas. Então, tudo isso impacta diretamente nas populações que existem ali, que são populações indígenas. Nesse vídeo ela vai denunciando a exploração do ambiente e essa perseguição que as populações indígenas sofrem desde que os colonizadores chegaram”, disse o curador.
O segundo vídeo é um documentário, chamado Bartolina Xixa, una drag de La Puna . “Nesse vídeo ela dá uma entrevista, enquanto está se montando como Bartolina X , falando do processo de criação dessa personagem”.
Já no terceiro vídeo, chamado Crudo , ela faz críticas aos espaços institucionais. “O título faz essa referência a algo que é crudo, que está ali para ser preparado e consumido, como o cru, uma comida mesmo, algo para ser um produto de consumo. Ela faz uma crítica à exotização dos corpos e também das identidades indígenas que os museus às vezes fazem. É um vídeo de alerta, de crítica”.
Neste ano em que celebrará as Histórias da Diversidade LGBTQIA+, o Masp apresentará uma série de exposições relacionadas ao tema. Além dessas duas que inauguram o ano, o museu também apresentará mostras, por exemplo, de Francis Bacon, Mário de Andrade, Tourmaline, Leonilson e uma grande exposição coletiva no final do ano.
O museu também vai promover uma série de atividades como cursos, palestras, oficinas, seminário e publicações que abordam e debatem temas como o ativismo e a representatividade LGBTQIA+.
Desde 2016 o Masp, a cada ano, vem dedicando suas exposições às histórias, que são narrativas mais abertas e que abordam não só uma interpretação oficial, mas pessoais e ficcionais. Em 2016, o Masp abordou as Histórias da Infância . No ano seguinte, foram as Histórias da Sexualidade . Em seguida, Histórias Afro-atlânticas (2018), Histórias das mulheres, histórias feministas (2019), Histórias da dança (2020), Histórias brasileiras (2021 e 2022) e Histórias indígenas (2023).
O Masp tem entrada gratuita às terças-feiras. As primeiras quintas-feiras de cada mês também tem entrada gratuita. Mais informações sobre a mostra e sobre o museu podem ser acessadas no site .
Mín. 22° Máx. 27°
Mín. 21° Máx. 35°
Chuvas esparsasMín. 21° Máx. 32°
Chuva