“Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo.” A mensagem de Paulo Freire, patrono da educação brasileira, está estampada em um painel de EVA na entrada da Escola Fábrica de Asas, dentro do Complexo Penitenciário de Rio Branco, onde é desenvolvido um programa que une ressocialização e educação para que os reeducandos possam ter oportunidade após cumprirem sua pena.
Ressocializar tem como significado fazer com que um indivíduo seja inserido novamente na sociedade após ter sido privado da liberdade. E cabe ao Estado o papel de oferecer oportunidades e meios para que o reeducando saia do sistema prisional com uma nova perspectiva e pronto para trilhar novos caminhos.
Em junho do ano passado, um projeto que tem como parceiros o Ministério Público do Acre (MP-AC), o Instituto Brasileiro de Educação e Meio Ambiente (Ibraema), Jovens com Uma Missão (Jocum) e o governo do Estado, por meio do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), está levando alfabetização para os privados de liberdades que não sabem ler e escrever.
O programa consiste em capacitar um reeducando para que ele seja um facilitador nesse processo. Inicialmente, o projeto piloto ocorre com os presos do pavilhão A, mas a ideia é que ele seja expandido e ampliado em outros estados.
Essa é uma das medidas que vem reforçar o trabalho da educação já feito dentro dos presídios do estado, que possuem bibliotecas, mantidas com doações de livros, e o ano letivo feito pela equipe da educação dentro da unidade.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua: Educação 2022, divulgados em junho do ano passado, mostram que a taxa de analfabetismo no Acre é de 8,5%. Essa média também se repete dentro do contexto do sistema carcerário.
Da população carcerária do estado, 7,5% não sabem ler nem escrever, de acordo com a Divisão de Educação Prisional do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen-AC).
Foi com foco nesses números que os parceiros se uniram para tentar reverter essa realidade. No projeto “Alfabetizar Para Prosperar”, o Ibraema capacita um reeducando que vai dar apoio aos demais. Essa ação, somada a outros projetos da educação nos presídios, já tem dado resultados.
Amaury Santos da Silva Lima, de 61 anos, está há sete cumprindo pena na capital. Para ele o projeto foi essencial, já que sempre trabalhou em seringal e não teve acesso à educação. Em pouco mais de sete meses inserido no programa, ele já consegue escrever o nome e juntar algumas palavras – um grande passo para quem não sabia ler.
“Passei boa parte do meu tempo em seringal e não dava importância para educação. Quando cheguei aqui tive essa oportunidade e abracei isso. Estou me dando bem, porque já estou fazendo meu nome e conseguindo ler alguma coisinha. Quero sair daqui e conseguir ler a Bíblia e poder assinar meu próprio nome”, planeja.
Lima assina documentos atualmente marcando com o dedo. Enquanto escreve o nome diz orgulhoso que vai aposentar o antigo modo de se identificar:
“Eu comecei do zero. Então, hoje eu considero já uma grande coisa [saber escrever o nome]. Já conheço bastante letra, mas ainda não consigo ler muitas palavras. Quando eu conseguir ler algumas coisas isso vai me dar muita felicidade.”
Uma peça importante desse progresso é Diego da Silva Vieira, de 32 anos. Quando foi preso tinha estudado apenas até a quarta série. Segundo ele, quando se envolveu no mundo do crime, sem acesso à educação, não tinha como ter uma perspectiva diferente.
Em um dos momentos mais difíceis de sua vida surgiu a oportunidade de mudar de vida. Foi na cadeia que Vieira teve a oportunidade de seguir os estudos e está finalizando o ensino médio, com o sonho de ingressar no ensino superior.
Ele também foi o escolhido para ser um facilitador, ou seja, foi capacitado para auxiliar os outros presos na leitura. “Nós fomos treinados pelo Ibraema para sermos facilitadores e ajudar aqueles que não sabiam ler. Na terça e quinta, na escola, temos uma hora e meia para poder passar o estudo para eles”, explica.
O projeto começou com 24 detentos, porém, com a mudança de regime de algum deles, atualmente oito presos são alcançados com esse programa.
“Lá fora, quando a gente estava envolvido no mundo do crime, não tinha espaço para focar em uma meta, mas hoje temos outro entendimento. Eu já procuro buscar mais conhecimento e isso me ajudou muito. Até para ler a Bíblia também, como manual. Hoje eu leio diversos livros, tenho facilidade”, disse.
O nome da escola faz jus aos projetos educacionais desenvolvidos dentro do sistema carcerário. Fábrica de Asas faz alusão a ideia de que somente a educação pode libertar.
“Tenho vontade de terminar quando sair daqui. O sonho de todo reeducando é mudar de vida e obter uma meta de poder regressar à sociedade, porque não olham a gente como seres humanos, mas temos sim essa vontade de voltar para nossas famílias e fazer um curso. Acredito que ainda há esperança”, ressalta.
O promotor de Justiça da 4ª Promotoria de Justiça Criminal, Tales Fonseca Tranin, foi quem esteve presente em todas as etapas da implantação desse projeto no presídio. O Ministério Público do Acre (MP-AC) entrou com apoio de alguns materiais, mas, principalmente, intermediando para que a maior parte dos presos que tivesse interesse no programa fosse alcançada.
“A intenção é alfabetizar mesmo. Nós escolhemos reeducandos analfabetos. Em seis meses eles aprendem a ler e escrever. Isso é maravilhoso. O curso já está durando alguns meses e já estamos tendo alguns resultados produtivos, prova disso é o senhor que já consegue escrever o próprio nome”, pontua.
O promotor destaca que esse é um passo importante para que, ao sair do presídio, esse reeducando tenha oportunidade. “O que muda o mundo é educação. Sem educação o cidadão vai para o mundo do crime, não tem jeito. O primeiro passo da vida é a educação”, reforça.
O diretor da Unidade de Recolhimento Provisório de Rio Branco (URP/RB), Edson de Menezes, destacou ainda que quando um reeducando tem acesso à educação e realmente quer mudar de vida é visível a mudança de pensamento e de postura:
“Eles passam a ter projetos de vida, para quando sair do sistema carcerário, montar seus negócios. Então, a educação, leitura, abre a mente do reeducando e ele passa a ter expectativa de vida. Hoje o que a gente procura é apoio das instituições no geral, para termos mais recursos, mais apoio para dar continuidade a esse projetos para que possamos atender muitos e não poucos. Quando o preso começa a estudar, a participar de projetos, a gente observa a mudança no dia a dia. Ele muda o comportamento, muda toda a realidade dele, ele se afasta das organizações, se afasta do crime, passa a ter um novo comportamento. É fundamental.”
As unidades prisionais também desenvolvem outros projetos da educação, como é o caso do “Presídio Leitores”, que, além de incentivar a leitura, também ajuda na remição de pena. No berço do projeto, em Cruzeiro do Sul, a unidade prisional conta com seis reeducandos fazendo ensino superior.
O foco na educação dentro do sistema prisional é imprescindível para o processo de ressocialização. Sueli Carneiro, escritora, filósofa e ativista defende que “a universidade é o maior ativo para se garantir a mobilidade social no Brasil”, logo o trabalho nos presídios de preparar esse reeducando para o ensino superior é um aliado dessa mudança.
Juscelino Bandeira é professor e está como diretor da escola Fábrica de Asas, atendendo cerca de 648 alunos, que fazem parte de turmas de alfabetização, ensino fundamental e ensino médio. Ao todo, onze professores fazem parte do quadro e dão aulas de segunda a sexta, das 7h às 11h.
“A escola tem um papel fundamental na ressocialização. Eu penso que um educando ressocializado é uma pessoa a menos para cometer um crime. Então, nossa meta é essa, é ressocializar o máximo que nós pudermos através da educação de jovens e adultos”.
Trabalhando com educação dentro dos presídios desde 2019, o professor destaca que o melhor retorno é quando encontra um preso que foi ressocializado. “É gratificante quando nós encontramos eles lá fora, trabalhando, empregados em uma empresa terceirizada, mudando de vida. Vale a pena você ver que realmente mudou a vida daquela pessoa. Nós tratamos nossos alunos como alunos, sem levar em consideração o crime que ele cometeu. No banco da escola todos são iguais, é o que está na lei”, enfatiza.
A chefe da Divisão de Educação Prisional do Iapen, Margarete da Frota Santos, explica que o Estado tem feito pesquisas e diagnósticos para uma melhor atuação.
“No primeiro semestre de 2023 foi realizada uma ação diagnóstica articulada por meio da parceria existente entre Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esportes [SEE] e Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), onde constatou-se que cerca de 7,5% das pessoas em situação de privação de liberdade não dominam o código escrito e, por essa razão, compõem os índices de analfabetismo do estado. Assim, após a identificação dos custodiados que precisam de intervenção educacional para a alfabetização, cerca de 130 já foram inseridos em processo educacional no estado em 2023, em turmas de EJA I [Educação de Jovens e Adultos]”, explica.
Já para este ano, Margarete disse que será aberto um processo de matrícula. Serão disponibilizadas nas unidades penitenciárias do estado vagas para mais 175 custodiados que foram identificados nessa ação diagnóstica com vista à erradicação do analfabetismo.
“Para muitos dos custodiados esse processo formativo é essencial, sobretudo para aqueles que sequer apropriaram-se do código escrito e tampouco desenvolveram habilidades que colaborem para sua sobrevivência em sociedade de forma digna. Para que possa retomar o convívio sem oferecer risco à sociedade, e com possibilidades de garantir o seu sustento e de sua família de forma digna, deve-se considerar seriamente a necessidade de oferta efetiva de possibilidades educacionais dentro dos presídios que contribuam para a elevação da escolaridade dos custodiados”, finaliza.
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