A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, entregou nesta sexta-feira (25) ao presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), Marco Lucchesi, exemplares da versão da Constituição Federal em nheengatu, língua geral amazônica originária do tupi. O projeto de tradução da obra para o idioma indígena foi idealizado pela ministra e realizado pelo STF e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a curadoria do presidente da biblioteca, órgão vinculado ao Ministério da Cultura.
A visita desta sexta-feira foi a primeira de um chefe do Poder Judiciário à Biblioteca Nacional em 100 anos. A última ocorreu em 1923, quando o então ministro do STF Hermínio Francisco do Espírito Santo esteve na sede da instituição durante o velório de Rui Barbosa, um dos responsáveis pela elaboração da Constituição de 1891 e pela criação do próprio STF. Espírito Santo exerceu o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal de 17 de novembro de 1894 até 11 de novembro de 1924.
“Marca os 35 anos de nossa Constituição, sinal de uma vitória democrática, que precisamos defender e celebrar sempre. Cultura, memória e democracia. A visita traduz essa agenda republicana”, ressaltou o presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, em entrevista àAgência Brasil.
A tradução da Constituição em língua indígena foi feita 35 anos após a promulgação da Constituição de 1988. A versão em nheengatu foi apresentada no dia 19 de julho deste ano , em São Gabriel da Cachoeira (AM), com a presença de Rosa Weber e de Marco Lucchesi. São Gabriel da Cachoeira é o município brasileiro que registra o maior número de indígenas. As fotos tiradas durante o evento no Amazonas foram doadas também pela ministra Rosa Weber ao acervo da Biblioteca Nacional, além de três discursos de sua autoria.
A ministra assinou também o acordo de cooperação entre a biblioteca e o Conselho Nacional de Justiça, que prevê o intercâmbio de informações, documentos e apoio técnico-institucional; prestação de assistência técnica para o desenvolvimento das atividades de preservação ou exposição de acervo; e ciclo de palestras.
Rosa Weber afirmou que os laços entre a Biblioteca Nacional e o Supremo estão intrinsecamente ligados à ideia de um país livre, republicano e democrático. “Em tempo de instituições consolidadas e fortalecidas, faz-se necessário olhar para o processo histórico que nos trouxe até aqui”, disse, acrescentando que olhar para o passado significa olhar para a cultura, a história e a memória institucional do país.
“O ano em que se completa um século da morte de Rui Barbosa, jurista, jornalista e político, dá a oportunidade de refletir sobre a construção do Brasil e preparar o futuro que se desenha no presente”, disse Rosa Weber.
A ministra destacou que Rui Barbosa, a exemplo do atual presidente da Fundação Biblioteca Nacional, também foi imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). Foi o primeiro a ocupar a cadeira número 10 do colegiado de intelectuais que, de 2019 a 2021, foi presidido por Lucchesi, o mais jovem presidente da ABL nos últimos 70 anos.
“A partir do exemplo e da trajetória desses dois extraordinários brasileiros, o passado e o presente se encontram no dia de hoje enquanto história, e celebram a reverência, a arte, a literatura, a poesia e a estética desse Brasil multicultural que se forja a partir da diversidade étnica e plural de suas formas, suas cores e da essência de sua gente em tudo o que nos diz respeito”, disse a ministra.
Rosa Weber lembrou que com o “amigo Lucchesi”, ela compartilhou as visitas feitas às aldeias indígenas no Vale do Javari e dos Yanomami, no Alto Rio Negro, sendo o presidente da biblioteca testemunha dos batismos da ministra nessas visitas aos povos indígenas. Ele disse que foi dessas visitas os dois idealizaram a tradução da Constituição em língua indígena, dentro da “necessidade de compreensão do mundo e dos primeiros habitantes do nosso país”.
A presidente do STF ressaltou que a tradução em nheengatu da Constituição de 1988 constitui o primeiro reconhecimento oficial em 523 anos da existência do Brasil enquanto nação, de que “a identidade indígena há de prevalecer e ser respeitada pelas autoridades de todo o país. Tornar a Constituição cidadã de 1988 acessível a todos os brasileiros é uma tarefa cujo significado vai além da transposição de barreiras de ordem prática”. De acordo com a ministra, a Constituição assegura o próprio acesso à Justiça.
A ministra lembrou ainda que o nheengatu é o principal meio de comunicação entre as etnias da Amazônia, língua falada entre os povos que habitam o Alto Rio Negro. Com a tradução, a Constituição brasileira está mais próxima de 12 povos indígenas, disse a ministra. “Porque essa é a riqueza do Brasil. Temos mais de 261 idiomas indígenas em nossa pátria. Por isso, essa primeira tradução é o primeiro passo”.
Até então, a Constituição brasileira tinha sido traduzida apenas para o espanhol e o inglês.
Segundo Rosa Weber, depositar a Carta máxima do país em uma das línguas faladas pelos povos originários na Biblioteca Nacional, conservando-a no local para as futuras gerações é um ato simbólico. “É a própria valorização do indígena como parte formativa e indissociável de nossa cultura e de nossa cosmovisão de país; da compreensão de pessoas indígenas, enquanto sujeitos de direitos e de deveres, em pleno exercício de sua cidadania, viabilizando a construção de novas memórias para um futuro que pertence a todas e todos”.
Na década Internacional das Línguas Indígenas, instituída pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a ministra disse ver esse importante passo para o cumprimento do objetivo de promover sociedades pacíficas e inclusivas, ampliando o acesso à Justiça e construindo instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
O presidente da Biblioteca Nacional anunciou, na solenidade, que a exposição Vozes Plurais da República: 35 anos da Constituição, será aberta na próxima semana ao público, no saguão nobre da biblioteca.
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