"Poderia ter mais aulas de educação sexual nas escolas. Entendi o que era abuso sexual e que eu sofria isso dentro de casa, quando assisti a uma palestra no 3º ano. Aquilo mudou minha vida e me ajudou a denunciar o infeliz do padrasto com o qual fui obrigada a conviver”. O depoimento é de uma jovem que colaborou com a campanha 1.8 Bilhão de Jovens pela Mudança, liderada pelaOrganização Mundial da Saúde (OMS).
"Estrada e transporte. Tenho que andar muitos quilômetros para ir à aula. Quando chove, a lama bate no joelho. Já fiquei mais de uma semana sem conseguir ir à escola na temporada de chuva", diz outro jovem.
Os pedidos desses dois jovens são algumas das demandas coletadas pela campanha da OMS, organizada pelaPartnership for Maternal, Newborn & Child Health, maior aliança global em defesa da saúde de mulheres, crianças e adolescentes (PMNCH, na sigla em inglês).
O número de 1,8 bilhão é referência ao contingente da população entre 10 a 24 anos vivendo no planeta, segundo o Fundo de População das Nações Unidas. A iniciativa quer ouvir pessoas entre 16 e 24 anos em todo o mundo.
“Nunca tivemos tantos jovens habitando a Terra juntos, ao mesmo tempo que nunca tivemos tanta negligência com o bem-estar da juventude, seja em qual país for. Os índices de depressão, desnutrição, evasão escolar e outros problemas que afetam a saúde física e mental da juventude são altíssimos. Ninguém melhor que o próprio jovem para dizer quais são as necessidades deles que precisam ser atendidas pelo poder público”, explica Bethânia Lima, relações públicas e líder mobilizadora da campanha no Brasil.
O questionário receberá as respostas dos brasileiros até 31 de julho. Os organizadores esperam conseguir as opiniões de pelo menos 50 mil pessoas aqui no país e 1 milhão em todo o mundo.
A campanha é totalmenteonlinepor meio de um site . O jovem não precisa se identificar completamente. Bastam informações como idade, região e identidade de gênero. As respostas são protegidas por leis de proteção de dados. Por isso, aAgência Brasilnão teve acesso aos nomes dos autores dos depoimentos do início da reportagem.
Números mostram os desafios presentes no cotidiano da população jovem. O Atlas da Violência 2021 , elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta que a juventude representa mais da metade das mortes violentas no país. Dos mais de 45 homicídios ocorridos em 2019, 51% vitimaram jovens entre 15 e 29 anos. “São 23.327 jovens que tiveram as vidas ceifadas prematuramente, em uma média de 64 jovens assassinados”, detalha o levantamento.
A violência sexual é outra preocupação presente na vida de parte dos jovens brasileiros. Um em cada sete adolescentes sofreu algum tipo de violência sexual, o que inclui desde assédio a estupro. As informações são referentes aos estudantes do 9º ano do ensino fundamental, universo que inclui alunos de 13 a 15 anos, das capitais brasileiras. Desses, 5,6% tiveram relação sexual forçada. Os dados fazem parte da edição mais recente da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE).
"Quero não ser assassinada, discriminada, rejeitada ou excluída por ser uma mulher trans.Quero segurança, inclusão, menos preconceito e violência, direito de viver”, pede uma das jovens que já participaram da campanha global.
“Não quero ser afetada por operações nas favelas. Ano passado perdi o Enem. Teve operação, mataram traficantes e moradores, e eu não consegui sair daqui para ir fazer”, conta outra colaboradora da pesquisa.
O mercado de trabalho é outro desafio para a juventude. O estudo Empregabilidade Jovem Brasil, feito pela Subsecretaria de Estatísticas e Estudos do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, faz uma radiografia desse cenário. Dos 35 milhões de jovens de 14 a 24 anos, 5 milhões não trabalham .
Rafael Moraes tem 19 anos e é formado em administração de empresas. Para ele, um olhar de governos para o bem-estar do jovem passa por abrir portas no mercado de trabalho.
“Mais investimento nos jovens que estão começando agora no mercado de trabalho. Tendo essa atenção, a gente terá um futuro do Brasil melhor, mais adequado de se viver, com mais segurança. É um investimento que, lá na frente, vai dar certo”, disse àAgência Brasilo morador do Rio de Janeiro.
O Brasil é um dos países relevantes para a campanha. “Além da diversidade e da perspectiva continental, os desafios e demandas que a juventude brasileira possuiprecisam ser pautados, discutidos e, sobretudo, atendidos. Essa é uma oportunidade global para fazer isso. Por isso, é urgente e necessário que os jovens do Brasil se juntem à campanha. Essa é a maior pesquisa de opinião para juventude já realizada”, destaca Bethânia Lima. “Jovens, respondam, representem, engajem, falem suas necessidades, assim teremos insumos e dados para encaminhar para autoridades nacionais e cobrar políticas públicas que potencializem a construção de um mundo melhor”, incentiva.
Os dados coletados pela campanha vão ser divulgados em um painel virtual para o mundo todo, nos dias 11 e 12 de outubro.
“Por ser uma campanha organizada pela PMNCH e pela OMS, já estamos falando sobre autoridades e políticas públicas. Além disso, serão promovidos compromissos políticos e financeiros para melhorar a saúde e o bem-estar dos jovens”, detalha a líder da pesquisa no Brasil.
O jovem Rafael aponta por que acredita que governos devem levar a opinião da juventude em consideração na hora de criar políticas públicas: “Às vezes, os jovens, com alguma genialidade, conseguem ter um pensamento para mudar a vida de alguém, mudar o rumo de alguma situação, dar soluções”, acredita.
Aqui no Brasil, a Secretaria Nacional da Juventude atua na elaboração e implementação de políticas para a juventude. Entre os objetivos do órgão estão ações de promoção, defesa, proteção e enfrentamento a violações de direitos dos jovens.
Ainda faltam alguns dias para as pessoas participarem da campanha com opiniões e ideias. Mas, com as primeiras respostas coletadas, já se pode afirmar que a juventude é uma geração também associada à esperança. É o que se percebe no depoimento daquela jovem que perdeu a prova do Exame Nacional do ensino Médio (Enem) por causa de uma operação na região em que ela mora. “Vou continuar tentando. A educação salva, e quero ser salva por ela", escreveu.
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